Muitos comentaristas, na mídia conservadora, na oposição
neoliberal, no Judiciário e mesmo em setores centristas da base do governo, têm
proclamado a crise do governo Dilma Rousseff. E se referem, em apoio a esta
tese, ao recuo na aprovação da presidenta registrado na pesquisa do Datafolha,
feita no calor dos acontecimentos e, portanto, com uma previsível subavaliação
do governo – aliás, de todos os governantes, em todos os níveis (municipal,
estadual e federal).
É preciso rigor e ao mesmo tempo mais prudência na avaliação
do que está acontecendo. Não se deve avaliar o conjunto da situação do governo
por um momento de turbulência.
Este comentário é necessário para contrapor-se ao afã
direitista de proclamar o “fim do governo Dilma”. Há de tudo, neste particular
– desde aqueles que falam no “volta Lula” até os que, como ocorreu na reunião
do PMDB realizada na noite desta terça-feira (2), em “abraço de afogado” e em
romper a aliança que apoiará Dilma em 2014.
Todo esse diz que diz que tem apenas o objetivo de esconder,
sob uma cortina de fumaça, o fato de que a presidenta roubou a cena ao propor,
em sua fala aos governadores e prefeitos, no dia 24, a reforma política sobre a
qual o Congresso, há duas décadas, não se entende. Para romper o impasse, Dilma
quer ouvir o povo, através de um plebiscito.
Mexeu num vespeiro. O ordenamento político de um país é
formado pelo conjunto de regras que definem a forma como o poder se distribui
entre os vários personagens que se confrontam, e um apelo direto àquele que é a
fonte originária do poder – o próprio povo – provoca temores nas forças
conservadoras. A razão é simples: isto expõe, claramente, os limites dos que se
proclamam “democratas”, mas defendem os privilégios das classes dominantes.
Apelar diretamente ao povo é expor a nervura do sistema de poder existente. Daí
o impasse duradouro na reforma política. Enquanto os partidos ligados ao povo,
entre eles o PCdoB, querem um sistema que amplie o protagonismo popular e faça
a democracia avançar, os conservadores querem travar esse desenvolvimento e pôr
a salvo seus privilégios.
As dificuldades, assim, avolumam-se. Foi ao que se assistiu
nesta terça-feira (2), depois que a presidenta enviou ao Congresso Nacional sua
mensagem defendendo a convocação do plebiscito popular sobre a reforma
política.
As reações são variadas, e interesseiras. No limite, elas
incluem reações conservadoras para quem a questão é “complexa demais” para o
entendimento popular, devendo ser deixada aos “especialistas”. É o velho
argumento, sempre usado pelas elites brasileiras, de que “o povo não está
preparado para votar”!
É deplorável que entre as forças empenhadas em prejudicar a
tramitação da iniciativa presidencial estejam partidos que jogam papel decisivo
na coalizão governamental.
A reação diz respeito a questões como o sistema eleitoral:
proporcional, como é hoje, ou alguma distorção representada pelos vários tipos
de sistema distrital (majoritário); ao financiamento público de campanha, que a
direita não aceita e pretende preservar seu poder econômico nas eleições. Em
editorial publicado nesta quarta-feira (3), o jornal Folha de S. Paulo é
explícito e diz que “não faz sentido impedir que pessoas ou empresas colaborem
com candidatos de sua escolha”.
Acumulam-se, ainda, os defensores de mudanças no sistema
eleitoral, substituindo o voto proporcional para deputados federais, estaduais
e para vereadores, pelo voto majoritário (o voto distrital), condenado nos
vários países onde é usado hoje devido às graves distorções que provoca na
representação da vontade popular manifesta nas urnas. No Brasil há uma
dificuldade a mais para os conservadores que pretendem essa forma de eleição,
que é mais favorável a seus interesses: sua implantação exige uma reforma
constitucional que altere o artigo 45 da Constituição de 1988.
A reforma eleitoral de que o Brasil precisa é aquela que
faça a democracia avançar, permitindo mais protagonismo popular, que é a alma
da democracia. Qualquer reforma que implique manipular a vontade do eleitor
manifestada nas urnas apenas agravará a crise de representação. Ao contrário, a
mudança que torne mais transparente o exercício do poder e a representação
apontará para o futuro – para a consolidação e o fortalecimento da democracia
no Brasil.
Isto é o que está em jogo – os conservadores de todos os
matizes querem perpetuar seus privilégios e defendem uma reforma política que
seja um freio para a vontade popular. Os interesses populares, ao contrário,
precisam de mais democracia e maior participação política. Daí a repulsa
conservadora à consulta popular representada por um plebiscito onde o povo diga
o que pretende para o ordenamento do sistema do exercício do poder no Brasil.
Editorial do Portal Vermelho