Há exatamente cinco anos, em 2 de fevereiro de 2007, um grupo de estudantes brasileiros passavam o dia de Iemanjá hospedados em uma das praias mais famosas do mundo, a Praia do Flamengo no Rio de Janeiro. Eram milhares, vieram de todos os estados, mas não estavam ali a passeio. Alojavam-se apertados em barracas de camping, redes de dormir mal amarradas, colchonetes duros e todos os tipos de acomodações improvisadas em meio à sujeira e aos automóveis de um local onde funcionava um estacionamento clandestino. Conforto, somente aquele de saber que estavam no lugar certo, fazendo a coisa certa.
Há um dia atrás, em primeiro de fevereiro de 2007, esses jovens haviam realizado o maior feito de suas vidas, retomando aquele espaço, no número 132, onde havia existido a antiga sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), incendiada e depois demolida pela ditadura militar brasileira. A passeata que culminou com a retomada do terreno marcou o encerramento da 5a Bienal da UNE e teve a participação de cinco mil pessoas, entre elas ex-presidentes da UNE e da UBES de todas as idades, artistas, intelectuais e moradores do Rio de Janeiro.
Após a ocupação, que derrubou os portões do terreno e permitiu o retorno dos estudantes ao seu lar histórico, os jovens levantaram acampamento e decidiram ficar, sob quaisquer circunstâncias. “Me lembro muito bem do sentimento que tínhamos naquele 2 de fevereiro, um dia depois da ocupação”, diz o presidente da UNE na época, Gustavo Petta. Segundo ele, todos estavam imbuídos de um espírito, ao mesmo tempo, eufórico e apreensivo.
”Estávamos obviamente emocionados, nos sentindo protagonistas de um momento histórico para o Brasil, mas também preocupados com a reação dos posseiros que haviam se apropriado ilegalmente daquele lugar por anos e que ganhavam muito dinheiro irregular ali. Sabíamos que eram pessoas violentas e ligadas ao crime organizado do Rio de Janeiro”, revela. Ainda de acordo com Petta, os posseiros chegaram a conseguir uma liminar que permitiria a reintegração de posse pela força policial: “Estávamos preparados para tudo”, diz. No entanto, a liminar foi rapidamente derrubada pelos advogados da UNE e a ocupação se consolidou por vários meses, recebendo o apoio de diversos segmentos da sociedade, até a vitória definitiva na justiça.
Lembranças
O ato de ousadia e resistência dos estudantes naquele início de fevereiro de 2007 também faz parte das lembranças da vice-presidente da UNE na época, Louise Caroline. A ex-militante estudantil, que atualmente encontra-se fora do Brasil, publicou as suas memórias por meio da sua página no Twitter: “Não tenho dúvida: Será para sempre a coisa mais importante que já fiz na vida”, afirmou em um dos posts.
Quem também não tem dúvidas de ter vivido ali o seu maior momento é o ex-presidente da UBES Thiago Franco, hoje estudante universitário do curso de Cinema: “Naquela época éramos movidos principalmente pela necessidade de fazer o que fizemos e pela justeza daquela ação, precisávamos recuperar aquele lugar. Atualmente, no entanto, quase completando meus 28 anos, consigo olhar com mais calma e concluir que realmente foi a maior coisa da minha vida até hoje”. Thiago, que é de Minas Gerais, conta que, curiosamente, o destino acabou levando-o a morar, estudar e trabalhar no Rio de Janeiro. “Passo em frente ao terreno duas vezes por dia, todos os dias, e não há uma vez sequer em que não olho para lá e não sinto alguma coisa diferente”, confessa.
Outro estudante que estava lá e guarda lembranças especiais daquele momento é o atual presidente da UNE, Daniel Iliescu, que na época ainda iniciava sua trajetória no movimento estudantil e havia coordenado a área de Ciência e Tecnologia da Bienal da UNE: “Não me esqueço do orgulho que tive de estar ali com aquelas pessoas, realizando algo tão significativo em nome de todos que foram perseguidos, torturados, assassinados pela ditadura, que morreram e viveram sonhando um dia retornar para aquele lugar. A passeata foi estimada em cinco mil pessoas mas a grande verdade é que éramos muito mais, éramos milhões de estudantes representando o passado e o futuro do Brasil.”, recorda-se.
Gustavo Petta, que foi o único presidente da UNE a ser reeleito e estar à frente de duas gestões da entidade, não titubeia em citar a retomada da Praia do Flamengo 132 como o momento mais marcante de toda sua militância: “O significado de tudo aquilo era imensamente maior do que a recuperação de um patrimônio físico. Na verdade, quando a ditadura invadiu, incendiou e demoliu aquele lugar, a idéia era calar os estudantes, agredir e assassinar os estudantes e suas idéias. Naquele primeiro de fevereiro de 2007, nós mostramos que esse objetivo não foi alcançado”, declara.
Futuro
Após a devolução do terreno à UNE e à UBES pela justiça brasileira, o Congresso Nacional aprovou também, de forma unânime com os votos de parlamentares de todos os partidos, o pagamento de indenização do estado brasileiro às entidades estudantis, devido à destruição de sua sede, perseguição, tortura e assassinato de inúmeros estudantes do país.
Atualmente, a UNE prepara ali a construção de um novo prédio, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que abrigará a nova sede das entidades, um teatro, um cinema, um centro cultural e o museu da Memória do Movimento Estudantil.
O objetivo das entidades é fomentar novamente, naquela localidade, os encontros entre a classe artística, os estudantes e a população da cidade, como aconteceu nos saudosos anos do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE. Segundo Daniel Iliescu, o novo prédio será um presente para o Rio de Janeiro:
“Vamos aproveitar 2012, esse momento tão significativo que marca o aniversário de 75 anos da UNE e de cinco anos da retomada do terreno para iniciar essa obra, em homenagem ao legado que já construímos para o país e assumindo também o compromisso do movimento estudantil em se manter sempre à frente, na vanguarda, pautando os principais debates seja na política ou na cultura, sendo uma força que agrega ideias, comprometidos com a ousadia, prontos para desenhar o nosso futuro continuamente”, sintetiza.
Fonte: Por Artenius Daniel no EstudanteNet
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