Mesmo com a entrega de parte das obras de expansão da rede metroferroviária, paulistanos continuam enfrentando dificuldades para se locomover
Apesar das obras de expansão do metrô, da modernização da estrutura da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e das promessas da prefeitura de melhoria da circulação dos ônibus, os usuários do transporte público de São Paulo continuam enfrentando inúmeros problemas para se locomover na cidade.
A superlotação nos ônibus e trens é constante. Os primeiros disputam lugar nas ruas e avenidas com carros, motos e caminhões em meio aos congestionamentos. Usuários se apertam para entrar nos meios de transporte e enfrentam grandes períodos de desconforto.
“Vou todos os dias ‘esmagada’ no trem. Não tenho espaço nem para trocar meu pé de lugar. Do jeito que consigo parar, tenho que ficar até desembarcar”, conta Marina Dias, garçonete de 24 anos que mora no bairro Itaim Paulista, na zona leste, e trabalha em São Caetano do Sul, na região metropolitana de São Paulo.
“É um aperto, um empurra-empurra. As pessoas precisam chegar no horário e, para isso, se apertam para entrar nos trens. Fico até com dó das mulheres e idosos, que não têm a mesma força do que nós, homens, e sofrem mais na hora de embarcar e desembarcar”, completa o metalúrgico José Carlos Moreira, de 38 anos, que utiliza todos os dias os trens da CPTM e da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) para chegar ao trabalho.
Expansão tardia
O governo estadual anuncia a expansão da rede metroferroviária como solução às deficiências do transporte público, mas especialistas alertam que não se pode apresentar uma única solução para a questão da mobilidade urbana em São Paulo.
Lúcio Gregori, engenheiro e ex-secretário de Transportes da cidade (1990-1992), pondera que “uma coisa é dizer que a expansão vai melhorar, outra é dizer que vai resolver completamente” os problemas de locomoção da capital paulista. Segundo Eluiz Alves de Matos, presidente do Sindicato dos Ferroviários de São Paulo, “demorou-se muito para começar a investir no transporte sobre trilhos e o que se fez até agora ainda não é o suficiente”, alega.
O metrô de São Paulo é o mais lotado do mundo, conforme levantamento da Comunidade de Metrôs (CoMET, sigla em inglês), organização que reúne os onze principais sistemas de transporte sobre trilhos do mundo. Nos horários de pico, os vagões chegam a receber até 8,6 passageiros por metro quadrado (m²), sendo que o “suportável”, segundo a norma internacional, é de 6 passageiros por m². Hoje, o metrô paulistano tem 74,3 quilômetros (km) de extensão e transporta cerca de 4 milhões de passageiros por dia.
Marcos Kiyoto, arquiteto e consultor da organização TC Urbes na área de transportes de alta capacidade, ressalta que a sobreposição de planos, a descontinuidade dos projetos e a ausência de prioridades no planejamento são as principais causas da falta de efetividade e atraso do plano de expansão.
Gestão confusa
Em 1998, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos do estado (STM) lançou o primeiro plano para o sistema de transportes, o Plano Integrado de Transportes Urbanos (Pitu), que previa ações até 2020. Cerca de oito anos depois, em 2006, lançou o segundo Pitu, que valeria até 2025.
Após um ano, em 2007, foi lançado o Plano de Expansão, que contemplava ações que deveriam ser realizadas entre 2007 e 2010. Em 2009, o projeto foi atualizado e se transformou no Expansão SP, com previsão de ações de 2009 a 2012. “A gente percebe que os planos estão mudando mais rápido do que as linhas estão sendo construídas. Então, na verdade, não há uma gestão muito definida”, afirma Kiyoto.
Segundo ele, “se a gente contar que a linha Amarela [do metrô] começou a ser construída em 2004 e está com previsão para 2014, temos dez anos para construir uma linha. Não deveria ser assim, poderia ter sido em menos tempo”.
A Linha 4-Amarela é a primeira obra na história do metrô paulistano em que o corpo técnico da Companhia não participou de nenhuma etapa do processo. Ele está sob responsabilidade do Consórcio Via Amarela, formado pelas empreiteiras Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.
Apesar dos atrasos na entrega da Linha 4-Amarela, o secretário estadual de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, avalia que a Parceria Público-Privada (PPP) está indo muito bem. “A iniciativa privada tem muito dinheiro circulando pelo mundo. Então, em vez de esse dinheiro ficar à disposição da especulação, nada melhor do que trazê-lo para um bom caminho, para o investimento em transporte de massa”, defende.
O primeiro trecho da linha foi concluído em setembro de 2011, com a entrega das estações Luz e República, e já opera com superlotação.
Exclusividade
O engenheiro de tráfego Horácio Augusto Figueira pondera que, mesmo com os problemas de superlotação, o metrô, por ter uma alta capacidade de transporte de passageiros, se configura como a melhor opção de locomoção na cidade.
Diferentemente dos ônibus, que, por terem que dividir o espaço viário com os carros, não conseguem se locomover com rapidez por causa do trânsito.
“Mesmo com a superlotação, a partir do momento em que se fecham as portas, o passageiro tem a certeza do tempo que levará para chegar a seu destino. As pessoas usam o metrô por causa da rapidez; nada interfere na sua velocidade, porque a via é exclusiva dele”, relativiza.
De acordo com a quinta edição da Pesquisa Dia Mundial Sem Carro 2011, realizada pelo Ibope a pedido da Rede Nossa São Paulo, os paulistanos gastam em média 2h49 por dia no trânsito. Por ano, perdem cerca de um mês nos congestionamentos. Na avaliação de 77% dos entrevistados pelo Ibope, o trânsito da cidade é ruim ou péssimo. Além disso, 60% das pessoas que utilizam o carro todos os dias estariam dispostas a deixar de usá-lo e só não o fazem por falta de um transporte coletivo eficiente.
“Tem dias que, para passar pela ponte da Freguesia do Ó [que atravessa a marginal do rio Tietê e liga o bairro periférico ao centro expandido da cidade], levo quase uma hora por causa do trânsito”, relata o supervisor de telemarketing Luiz Gustavo dos Anjos, de 26 anos, que gasta diariamente mais de duas horas para ir ao trabalho na região central de São Paulo. O ônibus que ele utiliza tem que necessariamente atravessar a marginal Tietê. A via é uma das que mais sofrem nos horários de pico com congestionamentos.
Coletivo x individual
No início de 2011, a Secretaria Municipal de Transportes (SMT) anunciou que até o final de 2012 seriam construídos na cidade 66 km de corredores de ônibus. Mas, em 30 de junho, o secretário de Transportes, Marcelo Cardinale Branco, disse que a administração municipal conseguiria cumprir apenas um terço da meta estabelecida. Permaneceram nos planos da SMT os corredores da Radial Leste – que liga o centro da capital à zona leste –, com 14 km de extensão, e da avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini (zona sul), com 3 km.
Horácio Augusto Figueira avalia que a cidade de São Paulo precisaria, atualmente, de 400 km de corredores de ônibus para solucionar o problema de circulação nas principais vias. Segundo ele, a conta é simples: “cada faixa para ônibus transporta um número de passageiros equivalente a dez faixas para automóveis”. O consultor de tráfego pondera que não basta somente que sejam construídos corredores se for mantido o atual modelo em que aos ônibus é reservada apenas uma faixa por via.
Entretanto, Gilberto Teixeira, da São Paulo Transportes (SPTrans, responsável pela gestão do transporte público da cidade de São Paulo), argumenta que a implantação de faixas exclusivas para ônibus não pode ser feita à revelia. “Não é somente implantar uma faixa exclusiva de ônibus em um viário que vai resolver a questão de transporte em São Paulo. Nós temos que adequar e escolher esses locais de maneira tal que não interfira na vida local, no comércio e nas atividades diárias das pessoas, porque o viário também é do transporte individual”, defende.
Para Horácio, é exatamente este tipo de pensamento que faz com que a administração pública priorize o transporte individual em detrimento do transporte público. “O automóvel não é dono de nada, não é dono do viário. Quem tem que ser dono do viário é o transporte coletivo”, enfatiza.
Nesse sentido, ele defende a urgência em se mudar o conceito de administração das vias públicas. “Ou a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) entrega o viário para a SPTrans, ou a gente vai ter que parar de falar, porque não vai adiantar”, diz. Para ele, a preferência à circulação dos ônibus nas ruas e avenidas da cidade só poderá ser feita pela empresa responsável pelos transportes coletivos, e não pela CET, que responde pelo tráfego dos automóveis.
Intermodalidade
De acordo com os especialistas em transporte, não existe uma única saída ou fórmula “mágica” que possa solucionar o caos da mobilidade urbana da capital paulista. O consenso é que se deve ofertar ao usuário do sistema de transporte coletivo o maior número de meios de locomoção dentro da cidade. Com mais possibilidades de locomoção, o fluxo de passageiros pode ser mais bem distribuído e, com isso, vários problemas podem ser amenizados, como, por exemplo, a superlotação.
“Não é só o metrô que vai resolver, não é só o trem que vai resolver, não é só o ônibus que vai resolver. São Paulo é uma cidade gigantesca”, pondera Lucas Monteiro, integrante do Movimento Passe Livre (MPL). Para ele, é a oferta do maior número de opções de transporte que pode contribuir para melhorar a situação da mobilidade em São Paulo.
Lúcio Gregori enfatiza que o metrô tem de ser visto juntamente com os outros sistemas de transporte, porque se a expansão não for realizada de forma integrada com os outros modos de transporte, os resultados para a mobilidade serão pobres. “Há melhora, mas não é significativa. Tem que se ter transporte abundante de todo tipo, de vários modos e muito barato”, ressalta.
Fonte: Por Michelle Amaral em Brasil de Fato
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