Fonte: Diario de Pernambuco
Nas
letras das músicas, na postura, na conversa informal, no argumento defendido
com ou sem o microfone nas mãos, diante ou por trás das câmeras, Reginaldo
Rossi debochou de uma condição culturalmente incômoda no imaginário brasileiro:
o corno. O homem traído jocosamente retratado nas linhas simples dos cordéis,
nas costuras orais de rimas dos poetas populares, na piada maldosa do dia a dia
ou na vingança desmedida registrada pelas estatísticas criminais ganha, nas
canções entoadas pelo Rei do Brega, uma justificativa moral para existir e deve
se conformar com os chifres colocados sobre a cabeça.
As
colocações simples, cômicas e quase despretensiosas cutucam a ferida aberta por
padrões patriarcais e machistas comuns à sociedade brasileira, especialmente à
nordestina, na qual o homem introjeta desde cedo a ideia de ser livre para
trair, controlar e mandar nas mulheres. Rossi compreende o quadro de
subjugação. Inverte o rumo. E equilibra os sexos no imprevisível jogo de amores
e paixões. Sujeita letras próprias ou de outros autores a um feminismo às
avessas, reduz a carga de desilusões amorosas e encaixa elementos do cotidiano
para se aproximar da realidade do público, com a licença do trocadilho, fiel às
composições.
A
combinação de dois hits do Rei, apontados por ele mesmo como junção necessária
para entender a figura do corno, sintetiza a atenção dispensada pelo cantor ao
assunto. Na música Garçom (1987), Reginaldo transforma a dor de ser deixado
pela mulher em lamúria para ser compartilhada, chorada e afogada na mesa de um
bar, divã insubstituível da dor de cotovelo. Ele evoca o profissional dos
estabelecimentos, o serviçal das mesas e do balcão, e o classifica como
confessor da humanidade. É a captação inequívoca de uma dor democrática, comum
ao rico e ao pobre. "No bar, todo mundo é igual/ Meu caso é mais um, é
banal/ Mas preste atenção, por favor/ Saiba que o meu grande amor hoje vai se
casar".
Na
canção Dia do corno, a referência chega ao clímax. "É onde eu digo
tudo", prefacia Rossi. A letra retoma o bar como ponto de convergência dos
desiludidos amorosamente: "Hoje é o dia do corno, foi bom te encontrar/
Vamos tomar um bom porre para comemorar/ A mulher que você ama, eu amo também/
Pelo que eu sei, ela já enganou mais de cem".
À
vontade no palco ou mesmo em estúdio, Rossi sempre se sentiu tranquilo para
filosofar sobre as próprias músicas e os conceitos presentes nelas. E são
justamente os comentários feitos antes das canções o endosso à nova forma de
ver e analisar a figura do homem traído. Até mesmo com uma concepção
diferenciada de um sentimento geralmente apontado como nobre, presente em
músicas de outros gêneros musicais: "Saudade nada mais é que dor de
corno", compara o Rei. Na explicação para hits como o próprio Garçom, ele
tripudia da gaia levada. “Homem acha que pode trair a mulher e nada acontece.
Eu era um cara assim, traía minha mulher várias vezes. Aí, um dia, cheguei em
casa e sabe quem estava na minha cama? O Ronaldinho”, ele brinca, na introdução
da música no CD Reginaldo Rossi - Ao vivo (1998), responsável por fazê-lo ser
sucesso em todo o Brasil.
A
traição é tema recorrente no cancioneiro popular brasileiro - e até nos
círculos dos músicos chamados de mais sofisticados pela crítica, ávida pela
eterna distinção entre nobres e plebeus do som. O cantor Amado Batista aborda o
assunto com pesar e tragédia na canção O julgamento, sobre o júri de um
assassino confesso da própria mulher, depois de apanhá-la na cama com outro
homem. Waldick Soriano investe no desespero, em Traição, receoso de um triste
fim após a notícia do casamento da mulher amada com outro. Mas Reginaldo
recodifica a dor de ser enganado, normaliza e satiriza a situação do homem
traído dentro de uma lógica universal: "Quando o chifre dói, o diploma cai
da parede". Quem nunca sofreu por amor fique à vontade para discordar. Mas
não hoje. Hoje é o dia do corno, é bom te encontrar…
+
as letras e os chifres
Saí
da tua vida
"Saí
da tua vida, de cabeça erguida/ Coisa que você não fez/ Eu já chorei demais/
Agora vem a sua vez/ Eu acho que vai ser melhor para todos três"
Em
plena lua de mel
"Dizem
que o seu coração/ Voa mais que avião/ Dizem que seu amor/ Só tem gosto de fel/
Vai trair o marido em plena lua de mel"
Eu
devia te odiar
"Eu
devia te esquecer/ E até outro amor procurar/ Eu devia ter coragem e dizer/
Dessa vez, eu vou te esquecer/ Dessa vez, eu sei que vou te odiar/ Mas eu volto
a te amar"
Dia
do corno
"Mas
homem adora mentir/ E enganar a mulher/ Homem adora trair/ Mas a quer bem fiel/
Então tem que levar o troco/ Ele tem que pagar/ Sofrendo, chorando e bebendo/
Na mesa de um bar..."
Meu
fracasso
"Me
dê um pouco de atenção/ Quero abrir meu coração/ E lhe contar do meu fracasso/
Amo demais uma mulher/ Que agora diz que não me quer/ Que sente amor em outros
braços"
Ingratidão
"Ela
estava tão sofrida/ E eu cuidei dessa pessoa/ E até lhe dei o meu amor/ Mas ao
mostrá-la ao meu melhor amigo/ Por ele, ela me deixou / Meu Deus, meu Deus/ Ela
me trai com o melhor amigo meu"