Cheguei ontem em Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú, a 386 km do Recife, para rever meus pais nestes últimos dias de férias vapt-vupt e curti, como todo bom sertanejo, a volta das chuvas. Caiu uma chuvinha depois das 22 horas. Juro! Vi com os meus olhos que a terra um dia haverá de comer.
Foi uma emoção e tanto! Gente chorando de felicidade. Sertanejo é bicho besta! Comemora uma chuva como se tivesse emplacado a Sena. Como a descoberta de uma botija, não de dinheiro, mas de ouro, daquele fino que brotava fácil na Serra Pelada.
Chuva no Sertão é para ver, pegar na água, sentir e apalpar, medir o tamanho dos pingos, contar o seu tempo e ficar também ouvindo o seu barulho no telhado, na bica, na correnteza da rua.
Garoto de calças curtas, chuva, para mim, só valia quando se podia tomar banho na rua, correndo de esquina em esquina, subindo e descendo ladeiras, a procura de uma bica para sentir o gosto e o cheiro da enxurrada.
A chuva de ontem foi fraquinha, é verdade. Mas a torcida por mais chuvas é tamanha no Sertão que tem gente fazendo figa por um temporal, uma tromba d´água. Na linguagem sertaneja, chuva boa é quando as torneiras do Céu se abrem sem timidez, enchem os barreiros, açudes e engravidam as barragens.
Têm o poder de fazer milagres, como o de renascer rios que pareciam entregues ao sono eterno. Tem, mais do que isso, o poder de devolver ao sertanejo a fantástica sinfonia dos sapos coaxando como se estivessem reverenciando a mãe natureza que se renova em folhas e vida.
Faço figa por enxurradas hoje e amanhã, quando ainda estarei por aqui. Quero ouvir o som majestoso do trovão, que não deu para ouvir ontem. Quero ver o Céu tremer, os coriscos riscando o firmamento como serpentinas enlouquecidas.
Chuva tem que ser curtida no silêncio da noite. É preciso que haja silêncio para a água cair do Céu. A chuva é como a música, que só existe sobre um fundo de silêncio. Afinal, é também no silêncio que a beleza coloca os seus ovos. É no silêncio que as palavras são chocadas. É no silêncio que se ouve a chuva, pingo por pingo, como cantiga de ninar. |
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