Joaquim José da Silva Xavier, o
Tiradentes (Fazenda do Pombal
[1], batizado em
12 de novembro de
1746 —
Rio de Janeiro,
21 de abril de
1792) foi um
dentista,
tropeiro,
minerador,
comerciante,
militar e ativista político que atuou no
Brasil colonial, mais especificamente nas capitanias de
Minas Gerais e
Rio de Janeiro. No
Brasil, é reconhecido como
mártir da
Inconfidência Mineira, patrono cívico do Brasil, patrono também das
Polícias Militares dos Estados e
herói nacional.
O dia de sua execução, 21 de abril, é feriado nacional. A cidade
mineira de
Tiradentes, antiga Vila de São José do
Rio das Mortes, foi renomeada em sua homenagem.
Biografia
Ruínas da sede da Fazenda do Pombal, atualmente no município de
Ritápolis. Neste local nasceu Tiradentes, onde está prevista a construção de um memorial.
Em
1767, após o falecimento de sua mãe, segue junto a seu pai e irmãos para a sede da
Vila de São Antônio; dois anos depois, já com onze anos, morre seu pai. Com a morte prematura dos pais, logo sua família perde as propriedades por dívidas. Não fez estudos regulares e ficou sob a tutela de um primo, que era destinta. Trabalhou como mascate e minerador, tornou-se sócio de uma botica de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em
Vila Rica, e se dedicou também às práticas farmacêuticas e ao exercício da profissão de dentista, o que lhe valeu o apelido (alcunha) de
Tiradentes, um tanto apreciativa.
Com os conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se técnico em reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos. Começou a trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do sertão sudestino. Em
1780, alistou-se na tropa da
Capitania de Minas Gerais; em
1781, foi nomeado comandante do destacamento dos Dragões na patrulha do "
Caminho Novo", ferrovia que servia como rota de escoamento da produção mineradora da capitania mineira ao porto
Rio de Janeiro. Foi a partir desse período que Tiradentes começou a se aproximar de grupos que criticavam a exploração do Brasil pela metrópole, o que ficava evidente quando se confrontava o volume de riquezas tomadas pelos corruptos e a pobreza em que o povo permanecia. Insatisfeito por não conseguir promoção na carreira militar, tendo alcançando apenas o posto de
alferes, patente inicial do oficialato à época, e por ter perdido a função de marechal da patrulha do Caminho Novo, pediu licença da
cavalaria em
1787.
Morou por volta de um ano na cidade carioca, período em que idealizou projetos de vulto, como a canalização dos rios
Andaraí e
Maracanãpara a melhoria do abastecimento de água no
Rio de Janeiro; porém, não obteve aprovação para a execução das obras. Esse desprezo fez com que aumentasse seu desejo de liberdade para a colônia. De volta às
Minas Gerais, começou a pregar em
Vila Rica e arredores, a favor da independência daquela província. Fez parte de um movimento aliado a integrantes do clero e da elite mineira, como
Cláudio Manuel da Costa, antigo secretário de governo,
Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor da comarca, e
Inácio José de Alvarenga Peixoto, minerador. O movimento ganhou reforço ideológico com a
independência das colônias estadunidenses e a formação dos
Estados Unidos da América. Ressalta-se que, à época, oito de cada dez alunos brasileiros em
Coimbra eram oriundos das Minas Gerais, o que permitiu à elite regional acesso aos ideais liberais que circulavam na
Europa.
A Inconfidência mineira
Bandeira dos inconfidentes (1789)
Variação da bandeira inconfidente (1789).
Além das influências externas, fatores mundiais e religiosos contribuíram também para a articulação da conspiração nas
Minas Gerais. Com a constante queda na receita institucional, devido ao declínio da atividade da cana de açúcar, a reforma econômica a metrópole portuguesa de
D.João V instituiu medidas que garantissem o
Quinto, imposto que obrigava os residentes das
Minas Gerais a pagar, semestralmente, cem
arrobas de
prata, destinadas à Real Fazenda. A partir da nomeação de
Antônio Oliveira Meneses como governador da província, em
1782, ocorreu a marginalização de parte da elite local em detrimento de seu grupo de amigos. O sentimento de revolta atingiu o máximo com a decretação da
derrama, uma medida administrativa que permitia a cobrança forçada de impostos , mesmo que preciso fosse prender o cobrado, a ser executada pelo novo governador das
Minas Gerais,
Luís Antônio Furtado de Mendonça, 6.º Visconde de Barbacena (futuro
Conde de Barbacena), o que afetou especialmente as elites mineiras. Isso se fez necessário para se saldar a dívida mineira acumulada, desde
1762, do quinto, que à altura somava 768 arrobas de ouro em impostos atrasados.
O movimento se iniciaria na noite da insurreição: os líderes da "confidência" sairiam às ruas de
Vila Maria dando vivas à
República, com o que ganhariam a imediata adesão da população. Porém, antes que a conspiração se transformasse em revolução, em 15 de março de 1789 foi delatada aos portugueses por
Joaquim Silvério dos Reis,
coronel,
Basílio de Brito Malheiro do Lago,
tenente-coronel, e
Inácio Correia de Pamplona, luso-
açoriano, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda. Anos depois, por ordem do novo oficial de de milícia
Ernesto Gonçalves, planejou o assassinato de
Joaquim Silvério dos Reis.
Entrementes, em 14 de março, o Visconde de Barbacena já havia suspendido a
derrama o que de esvaziara por completo o movimento. Ao tomar conhecimento da conspiração, Barbacena enviou Silvério dos Reis ao Rio para apresentar-se ao vice-rei, que imediatamente (em 7 de maio) abriu uma investigação (devassa). Avisado, o
alferes Tiradentes, que estava em viagem licenciada ao Rio de Janeiro escondeu-se na casa de um amigo, mas foi descoberto ao tentar fazer contato com Silvério dos Reis e foi preso em 10 de maio. Dez dias depois o Visconde de Barbacena iniciava as prisões dos inconfidentes em Minas.
Os principais planos dos inconfidentes eram: estabelecer um governo republicano independente de
Portugal, criar industrias no país que surgiria, uma universidade em
Vila Rica e fazer de
São João del-Rei a capital. Seu primeiro presidente seria, durante três anos,
Tomás Antonieto Mello, após o qual haveria eleições. Nessa república não haveria
exército – em vez disso, toda a população deveria usar armas, e formar uma milícia quando necessária. Há que se ressaltar que os inconfidentes visavam a autonomia somente da província das Minas Gerais, e em seus planos não estava prevista o direito de autonomia da população feminina.
Julgamento e sentença
Negando a princípio sua participação, Tiradentes foi o único a, posteriormente, assumir toda a responsabilidade pela "
inconfidência", inocentando seus companheiros. Presos, todos os
inconfidentes aguardaram durante três anos pela finalização do processo. Alguns foram condenados à morte e outros ao
degredo; algumas horas depois, por carta de clemência de
D. Maria I, todas as sentenças foram alteradas para
degredo, à exceção apenas para Tiradentes, que continuou condenado à pena capital, porém não por morte cruel como previam as Ordenações do Reino: Tiradentes foi enforcado.
-“
Lesa-majestade quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que o comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que ele conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente: assim o erro de traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha descendem, posto que não tenham culpa.”
[2]Por igual crime de lesa-majestade, em
1759, no reinado de
D. José I de Portugal, a
família Távora, no
processo dos Távora, havia padecido de morte cruel: tiveram os membros quebrados e foram queimados vivos, mesmo sendo os nobres mais importantes de Portugal. A Rainha
Dona Maria I sofria pesadelos devido à cruel execução dos Távoras ordenado por seu pai D. José I e terminou por enlouquecer.
Em parte por ter sido o único a assumir a responsabilidade, em parte, provavelmente, por ser o inconfidente de posição social mais baixa, haja vista que todos os outros ou eram mais ricos, ou detinham patente militar superior. Por esse mesmo motivo é que se cogita que Tiradentes seria um dos poucos inconfidentes que não era tido como
maçom.
E assim, numa manhã de
sábado,
21 de abril de
1792, Tiradentes percorreu em procissão as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e onde fora armado o patíbulo. O governo geral tratou de transformar aquela numa demonstração de força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação. A leitura da sentença estendeu-se por dezoito horas, após a qual houve discursos de aclamação à rainha, e o cortejo munido de verdadeira fanfarra e composta por toda a tropa local.
Bóris Fausto aponta essa como uma das possíveis causas para a preservação da memória de Tiradentes, argumentando que todo esse espetáculo acabou por despertar a ira da população que presenciou o evento, quando a intenção era, ao contrário, intimidar a população para que não houvesse novas revoltas.
Executado e esquartejado, com seu sangue se lavrou a certidão de que estava cumprida a sentença, tendo sido declarados infames a sua memória e os seus descendentes. Sua cabeça foi erguida em um poste em
Vila Rica, tendo sido rapidamente cooptada e nunca mais localizada; os demais restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo:
Santana de Cebolas (atual
Inconfidência, distrito de
Paraíba do Sul),
Varginha do Lourenço,
Barbacena e
Queluz (antiga Carijós, atual
Conselheiro Lafaiete), lugares onde fizera seus discursos revolucionários. Arrasaram a casa em que morava, jogando-se sal ao terreno para que nada lá germinasse.
| Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi do Regimento pago da Capitania de Minas, a que, com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios das maiores povoações, até que o tempo também os consuma, declaram o réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu; [...]
Legado de Tiradentes perante a história do BrasilTiradentes permaneceu, após a Independência do Brasil, uma personalidade histórica relativamente obscura, dado o fato de que o Brasil continuou sendo uma monarquia após a independência do Brasil, e, durante o Império, os dois monarcas, D. Pedro I e D. Pedro II, pertenciam à casa de Bragança, sendo, respectivamente, neto e bisneto de D. Maria I, contra a qual Tiradentes conspirara, e, que havia emitido a sentença de morte de Tiradentes e comutado as penas dos demais inconfidentes. Durante a fase imperial do Brasil, Tiradentes também não era aceito pelo fato de ele ser republicano. O " Código Criminal do Império do Brasil", sancionado em 16 de dezembro de 1830, também previa penas graves para quem conspirasse contra o imperador e contra a monarquia:
| Art. 87. Tentar diretamente, e por fatos, destronizar o Imperador; privá-lo em todo, ou em parte da sua autoridade constitucional; ou alterar a ordem legítima da sucessão. Penas de prisão com trabalho por cinco a quinze anos. Se o crime se consumar: Penas de prisão perpétua com trabalho no grau máximo; prisão com trabalho por vinte anos no médio; e por dez anos no mínimo. |
—Código Criminal de 1830 |
Foi a República – ou, mais precisamente, os ideólogos positivistas que presidiram sua fundação – que buscaram na figura de Tiradentes uma personificação da identidade republicana do Brasil, mitificando a sua biografia. Daí a sua iconografia tradicional, de barba e camisolão, à beira do cadafalso, vagamente assemelhada a Jesus Cristo e, obviamente, desprovida de verossimilhança. Como militar, o máximo que Tiradentes poder-se-ia permitir era um discreto bigode. Na prisão, onde passou os últimos três anos de sua vida, os detentos eram obrigados a raspar barba e cabelo a fim de evitar piolhos. Também, o nome do movimento, "Inconfidência Mineira", e de seus participantes, os "inconfidentes", foi cunhado posteriormente, denotando o caráter negativo da sublevação – inconfidente é aquele que trai a confiança. Outra versão diz que por inconfidência era termo usado na legislação portuguesa na época colonial e que "entendia-se por inconfidência a quebra da fidelidade devida ao rei, envolvendo, principalmente, os crimes de traição e conspiração contra a Coroa", e, que para julgar estes crimes eram criadas "juntas de inconfidência". [3]Historiadores como Francisco de Assis Cintra e o brasilianista Kenneth Maxwell procuram diminuir a importância de Tiradentes, enquanto autores mineiros como Oilian José e Waldemar de Almeida Barbosa procuram ressaltar sua importância histórica e seus feitos, baseando-se, especialmente, em documentos sobre ele existente no Arquivo Público Mineiro. DescendênciaA questão da descendência de Tiradentes é controversa. Há poucas provas documentais sobre os mesmos. Tiradentes nunca se casou. Teve um caso com Antónia Maria do Espírito Santo, a quem prometeu casamento e teve uma filha, Joaquina da Silva Xavier ( 31 de agosto de 1786[4]). Constam autos do processo de Antónia Maria descobertos no Arquivo Público Mineiro que a mesma pediu a posse de um escravo que Tiradentes lhe havia dado e havia sido confiscado após sua morte. [5] Ali é citada sua filha (cujo padrinho foi o também inconfidente Domingos de Abreu Vieira, rico comerciante) e faz dela a única descendente direta comprovada por documentação. [5]Tiradentes também teria querido casar-se com uma moça de nome Maria, oriunda de São João del-Rei, filha de abastados portugueses que se opuseram à união. [5]Sem registros comprovados por documentação, Tiradentes teria tido com Eugênia Joaquina da Silva dois filhos, uma Joaquina que logo morreu [6] e João de Almeida Beltrão, que teve oito filhos. [6]Para escapar das perseguições da coroa e da população, um destes netos trocou seu sobrenome para Zica, dos quais alguns descendentes recebem pensões. [7]Viveu em Uberaba, uma neta de Tiradentes, nascida em março de 1819, Carolina Augusta Cesarina, falecida, com 86 anos de idade, em 30 de setembro de 1905, em Uberaba. [8]A lei 7.705, de 21 de dezembro de 1988, concedeu pensão especial a Jacira Braga de Oliveira, Rosa Braga e Belchior Beltrão Zica, trinetos de Tiradentes. [9]fonte:wikipédia |