Manoel Santamaria
O poeta não descansaseu pensamento um instante.
Muitos o julgam presente,
sem o saberem distante.
A matéria: residente…
o espírito: renitente,
preocupado e vagante!
A poesia desempenha
um papel primordial,
neste país atolado
no terrível lamaçal
do crime e corrupção,
e paternal proteção
às duras forças do mal.
A Poesia de Cordel
também presta seu tributo
ao nosso mártir da mata,
sindicalista astuto,
ecólogo destemido,
que fez o mundo sentido
e a natureza de luto.
Xapuri foi o seu berço
e a morada final.
O reinado de terror
em Marabá foi fatal
a esse herói seringueiro,
mas o grito do guerreiro
teve eco mundial!
Francisco Mendes pediu
trégua na destruição
criminosa da Amazônia,
nosso sagrado pulmão,
que o mundo todo venera
guardiã da atmosfera,
exposta à devastação.
Valente e humano escudo
protetor das nossas terras.
Combateu contra os tratores,
machados e moto-serras.
Sua batalha exemplar
há de se multiplicar
noutras batalhas e guerras!
A natureza chorosa,
no nosso peito esse nó.
Ecoam dentro da mata
gemidos de fazer dó.
Choram cascatas e rios
prantos sentidos e frios…
o uirapuru canta só.
Na solidão da floresta,
aves, plantas e animais,
órfãos, fracos, indefesos,
exalam seus tristes ais,
pedem o fim da matança
e a destruição que avança,
mutilando os matagais!
Do Oiapoque ao Chuí
tevês, revistas, jornais,
estampam a nossa dor
em manchetes garrafais.
Fauna e flora sem defesa…
foi-se o “Nossa Natureza”
o “Ghandi dos Seringais”!
Se até no estrangeiro
a grande perda é sentida;
se até a ONU se importa,
vou cutucar a ferida
dos fominhas fazendeiros,
e os carrascos pistoleiros
que pensam mandar na vida.
Depois que o “New York Times”
mostrou, em primeira mão,
o brutal assassinato,
foi tal a repercussão,
que até a nossa justiça,
cheia de inércia e preguiça
resolveu mostrar ação.
É só cascata e farol
do Governo brasileiro,
que deseja mais ajuda
das potências do estrangeiro,
para investir no nojento
pseudodesenvolvimento,
e escândalo financeiro.
Se Chico Mendes não fosse
mundialmente famoso,
a justiça ignoraria
esse podre e pantanoso
faroeste brasileiro,
onde o rico fazendeiro
desfila impune e garboso.
No Brasil, a realidade
do faroeste é voraz.
Já na ficção esse filme
fajuto perdeu cartaz.
Caducou, perdeu a graça,
e há muito tempo, só passa
nos corujões matinais.
Final do século vinte,
e o país mergulhado
no caldeirão da mamata,
cultivando o que é errado:
falcatruas, pistolagem,
política da malandragem,
regime podre e safado!
Esse atraso milenar
podia ser corrigido,
mas a Constituição
ainda afaga bandido.
Impunidade que assusta,
justiça cega e injusta,
e de moral corroída!
Mas um país que faz tanto
alarde em torno de quem
matou quem numa novela
e anda tratando tão bem
os assassinos reais,
bem que merece demais
os governantes que tem!
Mas o mundo anda de olhos
e ouvidos bem aguçados
para tantas agressões,
tantos pobres massacrados.
Atos imundos, insanos,
contra os Direitos Humanos
e Prêmios para os culpados!
Os direitos dos indígenas
sendo desobedecidos.
Mais de vinte mil da tribo
dos Macuxis, perseguidos.
A polícia trava guerras
só para entregar suas terras
aos fazendeiros bandidos!
Os ricos pecuaristas
assassinaram a natureza.
Espécies insubstituíveis,
rara e milenar beleza
das florestais paisagens
cedem lugar as pastagens,
À ganância e à riqueza!
O gado disputa a água
e a alimentação
com os animais silvestres,
naturais da região,
a nossa fauna nativa.
O IBDF se esquiva,
não faz fiscalização.
A malversação das verbas
dos incentivos fiscais.
Investimentos furados,
estradas descomunais,
falsa colonização
e cruel destruição
das reservas naturais!
Também os tecnocratas
e as multinacionais
que visam os lucros fáceis,
sem retornos sociais.
Porcos imediatistas
que têm cifrões nas vistas
e miolos irracionais!
A UDR, União
“Democrática” Ruralista,
em defesa aos latifúndios
e o grande pecuarista
comanda os assassinatos
dos lavravadores pacatos,
padres e sindicalistas.
A UDR utilizou
sua nefasta influência
durante a Constituinte;
cometeu tal violência
brecando a Reforma Agrária,
à qual sempre foi contrária,
a qual levou à falência.
“Ainda posso respirar,
a água jorra abundante;
eu vivo aqui e agora,
e o futuro é tão distante!”
Assim pensa o egoísta,
de visão curta e simplista
bucéfalo, ignorante!
Que inteligência curta,
que egoísmo brutal,
caráter devastador,
criminoso, irracional!
Pensarmos em nós somente,
e espalharmos a semente
do irremediável mal!
Ocorre que as consequências
estão aqui e agora:
o índio pede socorro,
a Mata Atlântica chora,
a Amazônia agoniza,
e uma mal cheirosa brisa
nos sufoca e apavora!
Desequilíbrios climáticos,
confusão nas Estações.
São resposta e consequência
das grandes devastações
nas florestas tropicais.
Seca no Sul é demais…
no Nordeste, inundações!
O holocausto biológico
se torna mais evidente,
a cada dia que passa;
e assim, cada ser vivente
pensante há que se tocar
e começar a plantar
o futuro no presente!
A morte de Chico Mendes
não há de ter sido em vão.
O nobre sangue do herói
há de regar esse chão.
E seu clamor por justiça
há de aplacar a cobiça
que impera nesta nação!
E surgirão outros Chicos,
atrás de serra vem serra.
A luta, a honra de um homem
não se extingue, não se enterra.
A natureza reclama
e a todos nós conclama
a prosseguir nesta guerra!
Dezembro de 1988
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