quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Presas são obrigadas a dar à luz algemadas


Relatos de abuso de poder chegaram por meio de mulheres vítimas dessas ações e passaram a ser acompanhadas pela Pastoral Carcerária. A entidade não governamental, sem fins corporativos, AJD (Associação Juízes para a Democracia) publicou uma nota de repúdio contra o parto de gestantes algemadas e exige do governo de São Paulo esta prática.
   


Por Igor Carvalho

“Você pode colocar aí que a Pastoral Carcerária considera essa prática um crime de tortura”. A prática em questão diz respeito a mulheres que estão sendo obrigadas a dar à luz algemadas e a declaração é de Rodolfo Valente, coordenador jurídico da Pastoral Carcerária, responsável pela denúncia que pode ser objeto de ação judicial por parte da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Os relatos de abuso de poder chegaram por meio de mulheres vítimas dessas ações e passaram a ser acompanhadas pela Pastoral. Nos últimos meses, ao menos seis denúncias chegaram à entidade.  “Estamos na fase de apuração, já temos informações internas, de funcionários de hospitais, que confirmam a prática”, explica Valente. Os relatos ouvidos pela Defensoria Pública confirmam as denúncias. “Já ouvimos formalmente algumas vítimas e elas confirmaram o uso das algemas no momento dos partos”, explica o defensor público Patrick Lemos Cacicedo. “Estamos colhendo informações e decidindo qual a melhor forma de agir, precisamos ouvir ainda alguns outros hospitais e não recebemos ainda a resposta do ofício encaminhado à secretaria de Segurança Pública, solicitando explicações sobre a denúncia”, completa.
Nesse momento, as análises dos defensores caminham para que sejam ajuizadas ações indenizatórias contra o Estado; os processos na esfera criminal ainda dependem da identificação dos agentes. Segundo Cacicedo, o caráter da ação na esfera penal ainda não está claro. “É complicado falar em tortura nesse momento, precisamos individualizar os casos, mas no mínimo se configura em abuso de autoridade.”

O secretário de Administração Penitenciária do Estado, Lourival Gomes, declarou não acreditar que tais ações possam ter sido praticadas pelos agentes com as gestantes.”Não acredito nisso. É um absurdo.” Para ele, a determinação dos procedimentos não é de responsabilidade desses agentes. “Quando se chega ao hospital com uma presa, quem vai dizer o que fazer é o médico”, afirma o secretário.
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NOTA DA AJD SOBRE PARTOS COM GESTANTES ALGEMADAS

A AJD – ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA, entidade não governamental, sem fins corporativos, que tem dentre seus objetivos estatutários o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito e a defesa dos Direitos Humanos, tendo em vista a confirmação das notícias de realização de partos com o uso de algemas em gestantes sujeitas ao cumprimento de penas, vem a público manifestar o seguinte:

(1) algemar mulheres durante o parto constitui, inquestionavelmente, atentado à dignidade humana (art. 1º da Constituição Federal), desrespeito à integridade moral das mulheres (art. 5º XLIX, da Constituição Federal) e ofensa à especial proteção à maternidade e à infância, instituída como direito social (art. 6º da Constituição Federal),

(2) constitui descumprimento da garantia à mulher de assistência apropriada em relação ao parto, instituída no art. 12, § 2º da Convenção da ONU relativa aos direitos políticos da mulher (1952),

(3) submete também o recém-nascido a discriminação em razão do parentesco, com violação das garantias e direitos constitucionais de proteção à infância (art. 227 da Constituição Federal),

(4) subverte a lógica constitucional de acesso universal e igualitário aos serviços de saúde (art. 196 da Constituição Federal),

(5) representa flagrante descumprimento do dever de atendimento individualizado e tratamento diferenciado a que fazem jus as gestantes nos termos da Lei Federal nº 10.048/00 e, ainda,

(6) desvela evidente violação do artigo 143 da Constituição de São Paulo, que determina que a política penitenciária estadual deve observar as regras da ONU para o tratamento de presos, dentre as quais se destaca a regra nº 11 das “Regras de Bangcoc”, segundo a qual a presença de pessoal penitenciário e de segurança, durante o atendimento médico, observará a dignidade da presa.

Além de tudo isso, em face da absoluta desnecessidade dessa providência desumana e cruel, está ocorrendo também flagrante violação à Súmula Vinculante nº 11 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a qual estabelece que o uso de algemas somente é lícito em casos absolutamente excepcionais e determina a aplicação de penalidades nos casos de abuso e constrangimento físico e moral dos presos ou presas.

Assim, como o procedimento em menção constitui prática ilegal, repugnante, covarde e imoral, além  de violadora da dignidade humana, a  AJD  EXIGE que Governo do Estado determine a imediata abstenção dessa prática, bem como promova de forma efetiva a responsabilização de Secretários de Estado e Servidores, por suas respectivas condutas, de ação ou omissão, na forma da Lei.

Fonte: Viomundo

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