quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

VOLTAIRE FOI UM ATEU?


Ele condenou todas as religiões em suas obras e afirmou sempre que pôde que Deus não existe, certo? Errado!
por Olivier Tosseri
 
 
O filósofo e escritor François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire, não era ateu, mas deísta. Estudou no Collège Louis-le-Grand, dirigido por jesuítas, e, mesmo sendo muito crítico em relação a eles, teria por toda vida uma grande admiração por seus professores e pelas grandes obras missionárias da Companhia de Jesus. Logo abandonou o espírito religioso, mas recusou o ateísmo. Estes versos resumem seu pensamento: “O mundo me intriga, e não posso imaginar / Que este relógio exista e não haja relojoeiro”.
 
Reconhecia um Deus na origem da criação do mundo que tinha influência no seu funcionamento, porém rejeitava qualquer intermediário entre Ele e os homens, como as religiões e suas tradições. Sua obra está repleta de referências ao “eterno geômetra”, ao “arquiteto” e ao “pragmático”. O combate de Voltaire não era uma luta contra Deus, mas contra o fanatismo religioso e a intolerância. “Deus não deve sofrer as consequências das besteiras do padre”, escreveu em uma de suas cartas. Sua ironia e sua capacidade de expressão estavam a serviço dessa causa. “Entende-se hoje por fanatismo uma loucura religiosa, obscura e cruel. É uma doença que se pega como a varíola”, escreveu no Dictionnaire philosophique, no verbete “Fanatismo”. Caracterizou esse último como um termo infame, e a partir de 1759, começou a assinar suas cartas como Ecr. L’inf., que significava “Écrasons l’infâme” (“Esmaguemos a infâmia”), seu lema abreviado.
Essas convicções inscrevem-se no humanismo do século XVIII, do qual Voltaire foi um dos maiores representantes. Ele pôs seu nome a serviço das vítimas da intolerância ou da arbitrariedade religiosa, tais como Sirven e o cavaleiro de la Barre (François-Jean Lefebvre, executado em 1766 sob acusação de profanar uma estátua de Cristo na cidade de Abeville, norte da França), e se envolvia ativamente, como no caso Jean Calas, um protestante injustamente acusado de matar o fi lho – que queria se converter ao catolicismo – e morreu torturado em 1762. O filósofo tomou sua defesa e publicou no ano seguinte o Traité sur la tolérance, um tratado sobre a tolerância, que, apesar da sua proibição, teria tamanha repercussão que Calas seria reabilitado, mesmo depois de morto.
 
Panfletos, peças de teatro, poemas, tudo servia para condenar e listar os infortúnios e os crimes do fanatismo e da intolerância. Islamismo, judaísmo ou cristianismo, nenhuma crença era poupada. Seus adversários o acusaram de solapar os fundamentos da religião – e, portanto, da monarquia – e promover a depravação dos costumes. Mas Voltaire foi seduzido pelas teorias de Locke e de Newton, que faziam de Deus um imperativo da razão para resolver o enigma do mundo. Segundo a ser sepultado no Panthéon de Paris, em 1791, depois de Mirabeau, ele foi celebrado pela 3ª República anticlerical, que o tornou um símbolo. A palavra “voltairianisme” até aparece na edição de 1873 do dicionário Littré, como “espírito de descrença zombeteiro em relação ao cristianismo”. Em fevereiro de 1778, quatro meses antes da sua morte, escreveu para o seu secretário Vagnière: “Morro adorando Deus, amando meus amigos, não odiando meus inimigos e detestando a superstição”. Em outras palavras, Voltaire morria como um verdadeiro filósofo.

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